sábado, 13 de janeiro de 2024

Democracia: uma utopia em construção

Prof. Dr. Edgar Indalecio Smaniotto

A utopia nasceu junto com a distopia, a primeira utopia literária do ocidente, é também a primeira distopia. Quando escreveu sobre Atlântida, a partir de conhecimentos que teriam sobrevividos do antigo Egito, Platão não estava interessado em saber se tal civilização teria existido ou não, para o filósofo grego, as lições advindas do mito eram em si mais importantes que a sua veracidade factual. 

Platão no Crítias e no Timeu, descreve uma imponente cidade, que atingiu o mais alto grau de civilização que poderia ser almejado pelos mortais, apenas os deuses estariam acima da civilização atlante. Temos aqui a utopia, como outras que viriam mais tarde na tradição filosófica, a Nova Atlântida de Bacon, A Cidade do Sol de Campanella ou a Utopia de Thomas More (cujo título da obra se tornou designação para este gênero filosófico), entre diversas outras.

Atlântida 


Fonte: Wikipédia

Mas, com a utopia, nasceu a distopia. Os Atlantes acabam por se corromper, e sua bela civilização é afundada no mar pelos deuses. Parece então que estamos fadados a não alcançar a utopia, uma hora ela se degenera em distopia.
Se podemos tirar alguma lição contemporânea desta história de Platão, é o alerta contra o desejo em se alcançar uma sociedade perfeita, em que chegaríamos ao “fim da história” e viveríamos em um eterno presente, uma felicidade eterna. Algo como um paraíso terrestre!

O desaparecimento de quaisquer contradições, da própria história, e consequentemente de novas contradições a serem resolvidas, é impossível. A história não tem fim!

Neste caso, devemos abandonar um horizonte utópico e nos contentar apenas com nossa sociedade atual? Não, e afirmo novamente NÃO!  Temos necessidade da utopia. Sem utopia, caímos no niilismo, precisamos da utopia. Entretanto não precisamos de uma utopia fechada, que fatalmente nos levará a alguma autocracia. Precisamos de uma utopia aberta, que vai se construindo dia a dia, ou seja, a democracia. 

A democracia não é um horizonte fechado, é um horizonte a ser construído, em que a cada passo que avançamos, somos obrigados a rever conceitos, práticas e políticas; e incluir novas demandas a serem alcançadas. É um horizonte sem fim, mas a utopia não é o ponto de chegada, é a própria caminhada!

A democracia nasce na Grécia antiga, lá apenas homens livres empreendem a caminhada, retomada após a independência dos EUA, e as revoluções inglesas e francesa, são os burgueses que iniciam a caminhada para o horizonte. Com o tempo, outros vão chegando, não sem lutas e dificuldades, mas a democracia, como o cérebro humano, possui plasticidade, capacidade de aprender e se adaptar, e por isso é o melhor regime político que podemos construir.

Negros, camponeses, proletários, mulheres, povos originários e homo afetivos. A cada passo que damos na construção de nossa utopia, incluímos aqueles que antes se encontravam excluídos, incorporamos na estrada principal aqueles que antes estavam marginalizados. É um processo que sempre demanda luta, demanda redescrições de nossa própria história, a fim de incluir os antes excluídos!

O processo nem sempre é perfeito, nem sempre é totalmente acabado, às vezes damos um ou dois passos para trás, outras vezes encontramos um muro no caminho, então, é necessário fazer um desvio, outras vezes, derrubar o muro. Por vezes desaceleramos, tomamos fôlego! Mas nunca, nunca mesmo, paramos de seguir em frente.

Qual será o resultado desta utopia em construção que chamamos democracia? Não sabemos, pois ela é o próprio caminho, e não a chegada. Continuamos caminhando, ainda continuamos fazendo redescrições, pois muitos que caminham conosco, ainda não estão plenamente incorporados à corrente principal, e lá no horizonte, já vemos novos entes a serem incorporados, a terem seus direitos reconhecidos, mesmo aqueles que não são humanos, e não podem falar por si mesmos.

Será a democracia capaz de inserir, na corrente principal, os animais? Talvez, um dia máquinas conscientes? É provável, pois a democracia é isso, uma utopia em construção, uma caminhada cada vez com mais liberdade e reconhecimento, ao qual a cada dia novos caminhantes vão se incorporando. Não é fácil! Mas é a utopia possível, aquela que está sempre a se aperfeiçoar.

No meu entender, está é a grande lição que podemos tirar da utópica Atlântida de Platão: quando pararmos de caminhar, virá a decadência e a distopia, pois o caminhar é a utopia. A utopia nunca estará acabada, mas nunca deixaremos de caminhar em sua direção.
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Pós-escrito: “o fim da história” é um conceito do cientista político Francis Fukuyama; já o conceito de “redescrição” é do filósofo Richard Rorty

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Texto publicado originalmente no boletim CETRANS Interativo – CI@, do Centro de Educação Transdisciplinar [Verão de 2022]

Problemas Brasileiros: Transporte de cargas e matriz energética

 

Prof. Dr. Edgar Indalecio Smaniotto

 

 Independentemente de ser a favor ou contra a atual greve dos caminhoneiros, ela coloca em evidência os problemas gerados por sucessivos governos, desde Juscelino Kubitschek (incluindo militares, e governos de direita e de esquerda) terem feito a opção preferencial pelas rodovias (e, portanto, caminhões) para o transporte de cargas.

 O Brasil tinha uma malha ferroviária que foi sucateada e privatizada, quando deveria ter sido expandida. Também abandonamos à míngua o transporte por hidrovias, sendo que temos o maior potencial hidroviário do mundo. Assim o resultado é um país-continente dependendo quase que unicamente do transporte rodoviário.

                           Transporte ferroviário no Brasil

  Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Transporte_ferrovi%C3%A1rio_no_Brasil

 Agora caminhoneiros bloqueiam as rodovias, e o país para por completo. Independentemente do desfecho da greve, que fique a lição: investimento imediato em ferrovias e hidrovias; até porque o frete tende a ser muito mais barato no transporte hidroviário e ferroviário, do que é no transporte rodoviário.

 O próximo enrosco virá com certeza do setor energético, mais uma vez, já que para compor nossa matriz energética fizemos a opção predominantemente pelas hidrelétricas, ao invés de também investir pesado em usinas nucleares (sim, defendo o investimento em energia nuclear) e fontes de energia renováveis (solar, eólica etc.). Basta um período prolongado de seca para o espectro de um apagão pairar em nossas cabeças novamente.

 

Moral da história: devemos diversificar o máximo possível nosso sistema de transporte de cargas e de geração de energia.

 

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PS: Texto publicado inicialmente no Facebook em 28/05/2018, em plena a greve.

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